O poeta Carlos Drummond de Andrade dizia: ''A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça a quase totalidade não sente esta sede.'' A frase traduz a realidade atual do País. A pesquisa ''Retratos da Leitura'', realizada pelo Instituto Pró-livro, mostra que os brasileiros leem em média 1,3 livro por ano, incluindo as obras didáticas e pedagógicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse índice é de 11.
A pedido do Ministério da Cultura, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) desenvolveu o 1º Censo das Bibliotecas Públicas. E os resultados são preocupantes. Para se ter uma ideia, 445 cidades brasileiras não contam com bibliotecas municipais. No Paraná, são 67. E, enquanto Curitiba se destaca como o município com o maior número de bibliotecas para cada 100 mil habitantes do Estado, Londrina apresenta o pior índice.
Foto: Eduardo Anizelli |
Nesta entrevista, ele afirma que ''o problema torna-se mais agudo com a cultura de leitura da contemporaneidade, que prioriza cada vez mais a simplificação do texto.'' Questionado sobre como a família pode incentivar o hábito na vida da criança, Mafra diz que não tem como despertar o prazer da leitura se os pais não leem. ''É importante propiciar situações em que o texto seja tratado de forma significativa'', observa o professor.
A que o senhor atribui o número de cidades brasileiras sem bibliotecas, como mostrou a pesquisa?
A pesquisa apresenta um cenário bastante preocupante. Na contemporaneidade nós temos um processo de letramento mais amplo. Junto com o livro há outras linguagens incorporadas ao cotidiano, como as envolvidas na relação com a internet. É preocupante pensar que temos um desafio mais ampliado do que a questão das bibliotecas municipais. Temos que pensar em espaços multimídias para o desafio da contemporaneidade no campo da linguagem. E não estamos conseguindo nem dar conta do 'feijão com arroz'.
E por que não?
Sem dúvida as políticas públicas têm uma importância bastante grande nesse sentido. De acordo com a pesquisa do Ministério da Cultura, cinco municípios sinalizaram que não têm interesse em receber uma biblioteca. Os próprios gestores desconsideram essa possibilidade. Outro aspecto que me chamou a atenção é a estrutura das bibliotecas já existentes que está muito aquém do desejado. Há uma precariedade no uso dos computadores nesses ambientes. Percebo que mais do que um problema de ação do poder público há uma cultura que não incentiva essas questões.
Qual a melhor forma de incentivar a prática da leitura?
Essa ação precisa ser capitaniada pelo Estado, mas não se encerra nele. Deve haver interferência da família, da sociedade de forma geral e, naturalmente, da escola. São ações que precisam atuar nos diferentes campos. O problema torna-se mais agudo com a cultura de leitura da contemporaneidade, que prioriza cada vez mais a simplificação do texto.
Recentemente li uma entrevista com um historiador americano que trabalha com o hábito da leitura em que ele diz que as pessoas cada vez mais estão tendo dificuldades de parar para ler qualquer coisa que demanda muito tempo. A fugacidade e a informação rápida são importantes, mas estamos correndo o risco de formar sujeitos leitores só por esse caminho.
Como a família pode despertar o gosto da criança pela leitura?
O hábito tem que se tornar algo menos ''importante'' para não ficar em um patamar de seriedade e de distanciamento. Claro que a leitura é importante, mas devemos tratá-la como algo mais casual e, se possível, mais ''ordinário'' para a nossa vida. Eu acho que esse é um caminho. Mas definitivamente não tem como despertar o prazer da leitura nas crianças se os próprios pais não leem. É importante propiciar situações em que o texto seja tratado de forma significativa.
Para muita gente a leitura é uma atividade chata e cansativa. Talvez isso aconteça pela falta de incentivo e de exemplo dos pais?
A leitura é uma prática marcadamente sociocultural. Hoje ela se torna ainda mais importante por conta da fragmentação do texto e da fugacidade das informações. Dentro da estrutura de textos encontrados na internet, o fascínio pela leitura fica detido e o trabalho se torna cada vez mais difícil de se desenvolver. Assim como a escola, a família também desempenha o papel de formadora. E o grande diferencial da leitura é humanização no âmbito de um sujeito mais reflexivo e pró-ativo, que tem mais qualidade e consistência na construção de seus relacionamentos interpessoais. Hoje temos mais facilidade para as coisas, mas cada vez menos conseguimos dar sentido a tudo.
Matéria de Paula Costa Bonini
Folha de Londrina, Opinião, p. 3, 15/07/2010.
Olá, Núbio! Poxa, que entrevista bacana! Ontem mesmo estava conversando com o meu tio e dizendo que talvez o meu interesse pela leitura tenha começado tão cedo por conta do tempo que eu ficava na casa dele e da paciência que ele tinha em passar horas comigo lá, primeiro brincando com os livros infantis e mais tarde, conversando sobre os que ele me emprestava pra ler em casa, etc.
ResponderExcluirAcho que é por aí mesmo, É primordial o incentivo em casa e a leitura deve ser tomada, pelo menos incialmente, como prazer, diversão.
Sobre a falta de leitura como aspecto cultural do país, aqui na minha cidade, por exemplo, a biblioteca não é das piores, mas os alunos não vão até lá para ler ou estudar e só aparecem quando há algum trabalho obrigatório pro dia seguinte. No Brasil não há o costume de frequentar bibliotecas, a população não enxerga esse ambiente como de lazer.
Aí é complicado.
Gostei mesmo.
Abraços!
É verdade, @Tata_Ge.
ResponderExcluirSuas colocações confirmam que o quanto a realidade no campo da leitura é multifacetada.
Mas entendo que a complexidade inerente a esta diversidade não representa limitação ou impedimento de ações no âmbito das políticas públicas.
Fica difícil aceitar abordagens unívocas sobre este assunto. Cheira a demagogia das mais baratas, moeda infelizmente corrente em nosso país.
Abraços.