GEL em Bauru: inscrições com submissão de trabalho até 26/02

Prezados,

Comunicamos que se encontram abertas as inscrições para o 59º Seminário do GEL - Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo, que será realizado em Bauru (SP), no campus da Universidade Sagrado Coração/USC, nos dias 06, 07 e 08 (quarta, quinta e sexta) de julho de 2011.

As inscrições com submissão de trabalhos deverão ser feitas na área de usuário no site do GEL (http://www.gel.org.br/), no período de 10/12/2010 a 26/02/2011. 

Somente os associados do GEL podem apresentar trabalhos nos seminários, exceção feita aos alunos de graduação, que só podem apresentar trabalhos na modalidade painel. Os interessados em se associar para apresentar trabalho no evento deverão concluir o processo de associação (incluindo o pagamento da primeira anuidade), por meio do site do GEL, antes do dia 10/02/2011, pois o sistema só admite envio de resumos de associados.

Informações sobre normas de submissão, datas importantes e valores de inscrições e anuidade estão disponíveis no site do GEL.

Contamos com sua participação.
Cordialmente,

Profa. Dra. Flávia Bezerra de Menezes Hirata-Vale
Secretária do GEL

GEL/UFSCar
Telefone: (16) 3351-9327
www.gel.org.br

"As TICs, a escola e o futuro: ou… o futuro a Deus pertence", artigo de José Carlos Antonio (Prof. JC)

Como podemos nos preparar para o uso das TICs e recuperar o tempo perdido?Como podemos usar as TICs com nossos alunos? E, porque deveríamos usá-las?

Eu não pretendo lhe enrolar dizendo que a solução é muito particular, que cada um deve procurar o seu caminho, etc. etc. Aqui vai a resposta: é preciso mudar os paradigmas!

Já foi o tempo em que você precisava aprender tudo antes para, somente depois, poder ensinar um pouco do que sabia aos seus alunos, ou seja, para “passar” o seu conhecimento para eles. Os novos paradigmas de que você precisa são bastante diferentes daqueles que você tinha quando aprendeu com seus velhos professores. A seguir vão 10 “novos” (talvez nem tanto) paradigmas de que você precisará para os dias atuais:

1. Aprender enquanto utiliza, e utilizar enquanto aprende!
Você não precisa de um curso para aprender a usar o Twitter, o YouTube, o Google Docs ou as demais ferramentas para, somente depois, poder utilizá-las. Você só precisa começar a usá-las e, então, precisa entender que é utilizando-as que você aprenderá a utilizá-las cada melhor.

2. Aprender errando e corrigindo!
As ferramentas da Web 2.0 e as TICs em geral “admitem o erro como parte da aprendizagem”, por isso não se preocupe em fazer tudo certo já da primeira vez (ou da segunda, ou da terceira). Se você errar, não tem problema, não tem punição, você aprendeu! Se não der certo na primeira vez, tente de novo.

3. Explorar novas maneiras de aprender!
A aprendizagem das novas tecnologias e suas ferramentas não é linear. Não há mais “um passo antes do outro”. Assim como você pode navegar na internet por links (hipertexto!), você também pode aprender em pequenas doses, em passos não seqüenciais, explorando o que lhe parecer melhor naquele momento e criando seu próprio percurso de aprendizagem. Entenda isso como uma hiperaprendizagem.

4. Integrar-se às redes sociais e aprender colaborativamente!
Há livros, manuais, tutoriais e mesmo cursos para se aprender qualquer coisa que você quiser, e todos eles estão disponíveis na internet, mas a forma mais eficiente de aprender algo que você ainda não sabe, e nem sabe onde encontrar a resposta, consiste simplesmente em “perguntar para outras pessoas”! Quer dar seus primeiros passos no Twitter e não sabe por onde começar? Comece perguntando para alguém que já sabe! O conhecimento não está mais apenas nos livros, ele também está nas pessoas!

5. Explorar possibilidades e ser criativo!
Você pode ler muitos livros sobre o uso de certa ferramenta ou TIC, pode assistir a palestras, participar de simpósios, congressos, redes sociais, etc., e trocar idéias com pessoas que já utilizam essa ferramenta ou tecnologia. Tudo isso irá lhe ajudar bastante a aprender sobre o uso das TICs, mas você poderá obter resultados ainda melhores se o tempo todo perguntar para si mesmo coisas como: “o que eu posso fazer com isso? Como eu posso usar o Twitter para mim mesmo? E com os meus alunos?”. Só você conhece melhor que todos os outros a sua realidade, as suas necessidades e os seus próprios desejos.

6. Ser autônomo, não esperar passivamente por ajuda e nem desistir sem antes tentar!
Há pessoas que desistem de algo sem nem mesmo tentar antes. Ficam eternamente à espera de alguém que lhes mostre todos os caminhos, que lhes dê todas as respostas (corretas!). Não seja uma delas. Respostas perfeitas e pessoas que as saibam dar já não existem mais. Se tiver uma idéia que “gostaria que desse certo”, tente implementá-la. Se algumas tentativas falharem, não desista, isso não se chama “fracasso”, chama-se “aprendizagem”!

7. Aprender a ter prazer na aprendizagem!
Assim como os alunos não aprendem facilmente aquilo que eles desgostam, os professores também reagem da mesma forma. Só aprendemos coisas que queremos aprender, coisas que nos dão alguma satisfação, algum prazer, quando a aprendemos. Por isso, se você não aprender a ter prazer em dar uma aula melhor usando um novo recurso, nunca vai aprender a usar o recurso, e nem vai melhorar sua aula. E o que é pior: se você não aprende com prazer, então também não ensina com prazer e, por isso mesmo, não desperta o prazer no seu aprendiz. Tudo o que fazemos apenas por obrigação acaba caindo na vala comum da mediocridade. Ensino é paixão e o professor apaixonado pelo bom ensino é a melhor tecnologia que existe para ensinar.

8. Aprender a compartilhar conhecimento, dúvidas e sonhos!
Não basta aprender, não basta ser capaz de fazer; é preciso “fazer de fato” e compartilhar o conhecimento para que outros aprendam e façam. É preciso sonhar grande! Se você aprendeu como usar o Twitter, experimentou usá-lo e até já colecionou algumas dicas, então é hora de usar o potencial dessa ferramenta para compartilhar! Compartilhar seu conhecimento sobre a ferramenta, mas não só isso, pois agora você poderá compartilhar uma infinidade de outros conhecimentos usando essa ferramenta como instrumento de ensino. Você também faz parte da construção dos novos conhecimentos.

9. Aprender a ensinar o outro a aprender a aprender!
Para “estar atualizado” não é preciso ter “todas” as informações, mas é preciso aprender a encontrá-las, compreendê-las, utilizá-las, modificá-las, expandi-las e compartilhá-las. E é exatamente isso que precisamos ensinar às novas gerações! E não é nada fácil ensinar ao outro aquilo nem nós mesmos sabemos; por isso precisamos aprender a aprender antes de tentar ensinar isso aos nossos alunos. Se você mesmo não se sentir capaz de aprender, nunca vai desenvolver essa competência em seus alunos.

10. Aprender a estar eternamente insatisfeito!
Se você acha que esses “novos” paradigmas vão resolver o seu problema, se acha que eles bastam, ou apenas concorda com eles, sem ressalvas, então, talvez você não tenha entendido nada! Todos esses paradigmas juntos significam apenas que cabe a você compreendê-los, aplicá-los, reformulá-los, ampliá-los, reconstruí-los e, então, compartilhar com outros a “sua versão” deles. Aceite-os apenas como um desafio para que você mesmo possa reescrevê-los e compartilhá-los com outras pessoas.

Rumo aos novos letramentos: entrevista com Roxane Rojo

Referência nos estudos de linguagem e na análise do livro didático, pesquisadora da Unicamp crê que está na hora de ampliar a oferta de materiais para uso em sala de aula


Que impacto traz essa nova visão, que incorpora os escritos (as novas linguagens) à escrita alfabética, ao trabalho do professor?
Na alfabetização, isso só traria benefícios e facilidades. Se pensarmos, por exemplo, na educação infantil, o professor trabalha com essas diferentes linguagens - o corpo da criança, a dramatização, o teatro, a hora da rodinha, o que se vai contar, falar e, no meio disso, começa a alfabetizar. Nas escolas privadas que alfabetizam aos 6 anos, ou o 1º ano das públicas do fundamental de nove anos, essa alfabetização se dá num âmbito em que as maneiras de simbolizar ou representar são muito variadas. A criança vai usar o corpo, cantigas, a observação do feijãozinho e a escrita vem dentro desse sistema de atividades como uma modalidade, entre várias. A pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil" mostra que as crianças gostam de ler e se engajam nos escritos até o 5º ano. Entre outras coisas porque isso faz parte de uma prática mais global. Quando entra na alfabetização, muitas vezes professores e livros formados de maneira mais tradicional cortam esse processo e focam o código alfabético. E aí há rupturas de processo, que poderiam não acontecer se mantivessem, por exemplo, vídeos, áudios e canções. As crianças trazem um domínio da imagem, via televisão e outras linguagens, muito maior do que o da escrita. A escrita poderia entrar no berço dessa multilinguagem se as práticas fossem modificadas. Nas etapas seguintes, quanto mais à frente você for - por exemplo, no ensino médio - mais há uma valorização do escrito, do impresso e das formas canônicas. No ensino médio, temos literatura canônica escrita e acabou. As práticas letradas vão se afunilando naquilo que a escola julga que deve ser transmitido. E o que apontamos é justamente uma ampliação desses patrimônios. Como eles estão postos hoje, à la século 19, não servem mais à cidadania, nem à vida pessoal e nem ao trabalho. É preciso ampliá-los à imagem, ao áudio. Sem abandonar a escrita, obviamente. 

E como ficaria a formação docente?
Outro dia ouvi alguém falar algo genial em um evento. Ele dizia que a escola tem um currículo do século 19, professores do século 20 e necessidades dos alunos do século 21. A formação é complicada, mas é também uma questão geracional. Os meus alunos que estão se formando são quase nativos de uma era digital. Não terão o problema de não querer aprender uma linguagem por não serem usuários. Na hora em que a leva de migrantes - as pessoas que começaram no impresso e terminaram no digital - sair da escola, teremos algo diferente. É uma questão de 20 anos para termos algo diferente. Mas não podemos esperar, temos de investir em formações e materiais e numa pedagogia de projetos. 

Mas há também a expectativa das famílias, que é maior quanto à escrita (e não aos escritos). Como lidar com isso?
Depende de qual família, do letramento familiar. Do ponto de vista das famílias analfabetas ou de baixa escolaridade, a criança  decifrar o código e fazer cálculos é um enorme avanço, pois é aquilo que ela não tem. Nem sei se ela é capaz de reconhecer essas outras mídias e maneiras de significar como relevantes. Afinal, essa família também tem a televisão em casa. Se os filhos começarem a ver TV na escola, poderão perguntar que escola é essa que não está ensinando a ler, escrever, literatura e ortografia. Por outro lado, uma família inserida nesses letramentos contemporâneos percebe que seu filho só arruma emprego se dominar ferramentas de edição de áudio e vídeo. Pode pensar 'ah, que interessante essa escola, não preciso pagar cursos por fora'. Então, para o grosso da população, esse reconhecimento é mais difícil, a não ser como um impacto de minoramento da rejeição do aluno em relação à escola e da violência que impera na escola. No ensino médio, essa distância das práticas entre o que a escola quer - o trovadorismo, por exemplo - e o que o aluno quer - o rap - se traduz muitas vezes em violência interna e externa à escola, em afastamento do alunado da escola. 

O que o docente deve incorporar, dos pontos de vista teórico e didático, para trabalhar a partir dessa nova visão? 
A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1998, do trabalho com gêneros textuais, pavimentou a estrada nos últimos 10, 12 anos. O conceito de gênero - e não o de texto ou de tipo de texto, que é aquele mais escolar - abre as possibilidades de abordagem numa diversidade dos escritos impressos e das outras linguagens. Começou a ser aceito que o professor pode trabalhar com gêneros nos quais nunca antes tinha pensado. Estava corrigindo um material que vai entrar de forma suplementar na rede municipal de São Paulo em que se propõe um volume sobre poemas visuais, inclusive os digitais, e rap. É uma novidade já incorporada por um sistema público municipal na produção de material didático de apoio ao professor. Esse conceito abriu o caminho: começo trabalhando com notícia, artigo de opinião, e depois amplio para charge, tirinha, fanzine e outras coisas. 

E como isso mexe com a formação inicial? 
Os currículos das universidades continuam no século 19, início do 20. Os currículos de letras, por exemplo, têm muito pouca análise do discurso, estudo de texto e teoria de enunciação. E, hoje em dia, todas as propostas vão nessas direções - da linguística textual, da teoria da enunciação e das análises de discurso. Então, o campo teórico precisaria incorporar mais da visão da linguagem não como palavra, sílaba, fonologia, frase, sentença, gramática, mas como discurso, texto e enunciado. Se o aluno não tem formação nisso, vai ter de aprender na formação continuada. Em geral há apenas uma ou duas disciplinas e o grosso é gramática, sintaxe, fonologia, um currículo mais clássico de letras. Na pedagogia, isso tem um impacto menor, porque quando tem alguma formação vai para essas disciplinas que estão presentes nos currículos, e não para as coisas mais clássicas da linguística. Outra coisa é que a universidade continua extremamente disciplinar e subdisciplinar. A Capes divide em áreas, subáreas e assim por diante. Isso dificulta uma abordagem como essa, pois se vamos tratar da imagem ou da canção será preciso alguma noção de semiótica de maneira mais geral, de música... Que a discussão da interdisciplinaridade chegasse à universidade seria interessante, o que está apenas começando. 

E do ponto de vista da didática?
É mais complicado ainda. O governo fez várias tentativas de integrar melhor a formação docente das licenciaturas entre a educação e as especialidades. Só que cada universidade fez à sua maneira. De fato, na maioria das universidades de letras, didática e conteúdo continuam muito separados. Quando se juntam é só no final e sem conversa entre as unidades de educação e de letras. Na pedagogia, há dois problemas: o primeiro é a recente exigência de que o professor tenha a formação universitária para ser alfabetizador. Mas está sendo cumprida. Fazer essa qualificação a toque de caixa provocou uma série de cursos duvidosos, configurados como uma suplementação, só para que se atribuísse aos professores o grau universitário. Em segundo lugar, muitas vezes a montagem dos cursos na educação dá muito pouco espaço aos conteúdos. Não sei o que é melhor, pois quando trabalho com formação continuada de professores a didatização é muito presente para aqueles que têm formação mais generalista e isso talvez seja prioritário. Eles têm mais sintonia com o que é ensinar, com a forma como o aluno aprende e do que ele precisa. Já o professor especialista é mais resistente, a relação dele é com aquele conteúdo, com esgotá-lo ou transmiti-lo, o que talvez torne mais difícil ensinar. O que falta ao professor alfabetizador são noções de fonologia, de relação oral-escrito, mas acho mais fácil ensinar isso a ele do que mostrar ao especialista a importância de estar sintonizado com o processo do aluno.

Como isso se traduz em termos de habilidades específicas que o professor precisa trabalhar?
Em primeiro lugar, deve saber diagnosticar o que o aluno precisa tanto em termos de aquisição da base alfabética e da própria alfabetização quanto em termos do gênero com que vai trabalhar. Mas para diagnosticar o aluno é preciso conhecer bem o objeto, ver o que ele sabe daquele objeto, para poder ensinar. Então, em primeiro lugar, ter essa percepção de um acompanhamento diagnóstico e formativo, e não de um acompanhamento só avaliativo terminal. E o que seria mais novo na formação, que é ter essa sintonia maior com o multiculturalismo, com o que o aluno traz não só em termos de conhecimentos, mas da cultura da sua comunidade, de como se aproximar dele com menos conflito cultural. Didaticamente, o mais importante é deixar o aluno ser ativo, construir o conhecimento em vez de transmitir.



Leia na íntegra a entrevista concedida à Revista Educação em http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12986

“Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”: entrevista de Miguel Nicolelis

Foto de Vlademir Alexandre/AE
Miguel Nicolelis é um dos pesquisadores brasileiros de maior prestígio. Pioneiro nos estudos sobre interface cérebro-máquina, suas descobertas aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da neurociência no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a gestão científica no País, especialmente em São Paulo. Também questionou os critérios - marcadamente políticos - que teriam norteado a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.


O que você acha da política científica brasileira?
Está ultrapassada. Principalmente, a gestão científica. Foi por isso que eu escrevi o Manifesto da Ciência Tropical. O mais importante nós temos: o talento humano. Mas ele é rapidamente sufocado por normas absurdas dentro das universidades. Não podemos mais fazer pesquisa de forma amadora. Devemos ter uma carreira para pesquisadores em tempo integral e oferecer um suporte administrativo profissional aos cientistas. Visitei um dos melhores institutos de física do País, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o pessoal não tem suporte nenhum. Se um americano do Instituto de Física da Universidade Duke visitar os pesquisadores brasileiros, não vai acreditar. Eles tomam conta do auditório, fazem os cheques e compram as coisas, porque não é permitido ter gestores científicos com formação específica para este trabalho. Nós preferimos tirar cientistas que despontaram da academia. Aqui no Brasil há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). É uma tragédia. Esses caras não tem formação para administrar nada. Nem a casa deles. Não temos quadros de gestores. A gente gasta muito dinheiro e presta muita atenção em besteira e não investe naquilo que é fundamental.
Qual é a diferença nos mecanismos de financiamento e gestão científica nos EUA e no Brasil?
O investimento privado e público americano - sem contar os gastos do Pentágono que, em parte, são sigilosos - é equiparável: cerca de US$ 250 bilhões anuais cada um (o equivalente a R$ 425 bilhões). Eles também enfrentam o problema de que as empresas privadas não costumam investir em pesquisa pura, meio de cultura de onde saem as ideias aplicadas. Contudo, o governo não investe só em universidades. Ele também coloca dinheiro em empresas e em institutos de pesquisa privados. Este é o segredo. No Brasil, a grande maioria dos mecanismos públicos de financiamento está voltado para universidades públicas. Sendo assim, você não contrata cientistas e técnicos para um projeto, pois depende dos quadros da universidade. Mas esses quadros estão dando 300 horas de aula por semestre. Não dá para competir com um chinês que está em Berkeley pesquisando o dia inteiro e recebendo milhões de dólares para contratar quem ele quiser. Como fazer ciência sem gente? Na realidade, os americanos não contam com pessoas mais capazes lá. O que eles têm de diferente é um número muito maior de pesquisadores, processos eficientes, gestão científica profissional - a melhor jamais inventada - e dinheiro. Nos Estados Unidos, sou visto como um pequeno empreendedor. Recebo dinheiro do governo americano e uma parcela menor de investimento privado. Tenho assim uma "padaria" que faz ciência: posso contratar o padeiro, o faxineiro e a atendente de acordo com as necessidades do projeto. Esse empreendedorismo não é permitido pelas leis brasileiras. As mesmas regras que regem o gasto de quaisquer dez mil réis que um cientista ganha do governo federal servem para controlar licitações de centenas de milhões de reais para a construção de estradas, hidrelétricas... Achar que um cientista vai desviar dinheiro para fazer fortuna pessoal é absurdo. O processo de financiamento deve ser mais aberto, com mecanismos simples de auditoria. Além disso, deveria ser mais fácil importar insumos e, com o tempo, precisaríamos atrair empresas para produzi-los aqui. É um absurdo ver anticorpos apodrecerem no aeroporto de Guarulhos por causa da burocracia. Alguém no topo da pirâmide - o presidente da República ou o ministro da Ciência e Tecnologia - precisa dizer: "Chega. Acabou a brincadeira." É um desperdício gigantesco de talento e de dinheiro. A China está recuperando pesquisadores que emigraram para os EUA oferecendo condições de trabalho ainda melhores que as americanas. Milhares de brasileiros voltariam ao Brasil se tivessem melhores condições para trabalhar. Mas o sujeito vem para uma universidade federal e é obrigado a dar 300 horas de aula por semestre. Perdemos o talento. Além disso, ele conquista a estabilidade de forma quase automática. Que motivação vai ter para crescer? Há talentos, mas os processos são medievais. E o cientista brasileiro tem muito receito de bater de frente com as autoridades para reivindicar o que ele realmente precisa.
Quanto o Brasil deveria investir em ciência?
O Brasil precisa investir de 4% a 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia para encarar a China, a Índia, a Rússia, os Estados Unidos, a Coreia do Sul... esses são os jogadores com quem devemos nos equiparar. É o mesmo porcentual que já investimos em educação. É essencial realizar os dois investimentos: por um lado, para formar gente e iniciar a revolução educacional que o País precisa; por outro, para usar o potencial intelectual dessas pessoas na produção de algo para o País. Atualmente, investimos 1,3% do PIB. No Japão, é quase 4%. Isso explica muita coisa.
Você afirmou diversas vezes que a ciência precisa ser democratizada no País.
Sem dúvida. É uma atividade extremamente elitizada. Não temos a penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira. Essa foi uma das razões que me motivaram a escrever o manifesto. Até bem pouco tempo, a ciência era uma atividade da aristocracia brasileira. Há 30 ou 40 anos só a classe mais alta tinha acesso à universidade. Não precisavam de financiamento porque tinham dinheiro próprio. Hoje, nós precisamos de cientista que joga futebol na praia de Boa Viagem. Precisamos do moleque que está na escola pública. As crianças precisam ter acesso à educação científica, à iniciação científica. O que também implica uma democratização na distribuição de oportunidades e recursos em todo o País. Estamos trabalhando com 21 crianças da periferia de Natal. Elas nem mesmo entraram no ensino médio e já estão sendo incorporadas às linhas de produção de ciência do nosso instituto. Quatro participaram de um projeto piloto em que aprenderam a usar ressonância nuclear magnética de bancada para medir o volume de óleo nas sementes do pinhão-manso do semi-árido nordestino. E classificaram as diferentes sementes de acordo com a quantidade de óleo. Duvido que exista algum técnico na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) melhor do que essas crianças. Não precisamos mais de caciques. Precisamos de índios. Devemos investir na massificação dos talentos. Esses moleques vão decidir o que vai ser a nossa ciência. Se chega um jovem muito talentoso que quer investigar besouro, devemos responder: "Está bom, filho. Vai pesquisar besouro." Eu não investiria em tópicos, em áreas específicas. Eu investiria primordialmente em gente. Porque se você investir em pessoas talentosas, elas encontrarão nichos em que o Brasil terá benefícios tremendos. Nós temos uma das maiores olimpíadas de matemática do mundo, o que comprova que nosso talento matemático é enorme. Mas não dá frutos porque faltam caminhos, oportunidades, veículos... Acreditamos que devemos escolher o melhor menino. Mas e os outros cem mil que quase ganharam? Precisam de incentivo para continuar. Por isso, eu proponho o bolsa-ciência. É um bolsa-família para garoto que tem talento científico. Não precisa ser gênio. Estou fazendo isso com esses 21 meninos. Os quatro garotos do pinhão-manso recebem mais dinheiro do que o pai e a mãe: uma bolsa de R$ 520 paga por doadores privados. Precisamos investir no caos que é o sistema nervoso. Desta forma, encontraremos caminhos imprevistos, surpresas agradáveis.
Como avaliar mérito na academia?
Nós publicamos mais do que a Suíça. Mas o impacto da ciência suíça é muito maior. Basta ver o número de prêmios Nobel lá. E eles têm apenas cinco milhões de habitantes. Na academia brasileira, as recompensas dependem do que eu chamo de "índice gravitacional de publicação": quanto mais pesado o currículo, melhor. Ou seja, o cientista precisa colecionar o maior número de publicações - sem importar tanto seu conteúdo. Não pode ser assim. O mérito tem de ser julgado pelo impacto nacional ou internacional de uma pesquisa. Não podemos dizer: quem publica mais, leva o bolo. Porque aí o sujeito começa a publicar em qualquer revista. Não é difícil. A publicação científica é um negócio como qualquer outro. Mesmo se você considerar as revistas de maior impacto. Também não adianta criar e usar um índice numérico de citações (que mede o número de citações dos artigos de um determinado cientista). Talento não está no número de citações: é imponderável. Meu departamento na Universidade Duke nunca pediu meu índice de citação. Também nunca calculei. Quando sai do Brasil, achei que estava deixando um mundo de lordes da ciência. Fui perguntando nome por nome lá fora. Ninguém conhecia. Ninguém sabia quem era. Críamos uma bolha provinciana que deve ser estourada agora se o Brasil quer dar um salto quântico. Mas as pessoas têm receio de falar com medo de perder o financiamento. Há outras formas de medir o impacto científico: ver o que cara está fazendo e consultar a opinião de pessoas que importam no mundo, dos líderes de cada área. Sob este ponto de vista, o impacto da ciência brasileira é muito baixo. E precisamos dizer isso sem medo. Não dá para esconder o sol com a peneira. Quando decidem criar um Instituto Nacional (de Ciência e Tecnologia), em vez de dividir o dinheiro entre 30 ou 40 pesquisadores promissores, preferem pulverizar o dinheiro entre 120 cientistas, muitos deles com propostas que não vão chegar a lugar nenhum. Cada um recebe um R$ 1 milhão, uma quantia considerável na opinião de muita gente mas que não paga nem a conta de luz de um projeto bem feito. Não podemos ter receio de selecionar os melhores. Você precisa escolher os bons jogadores, não os pernas-de-pau. Outra coisa: só o Brasil ainda admite cientista por concurso público. Cientista tem de ser admitido por mérito, por julgamento de pares, por entrevista, por compromisso, por plano de trabalho.
Como você se vê na Academia?
Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado. Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em Natal nos últimos oito anos. Mas sobrevivemos. O Brasil é uma obsessão para mim. Há muita gente que não faz e não quer que ninguém faça, pois o status quo está bem. Tenho excelentes amigos na academia do País, respeito profundamente a ciência brasileira. Sou cria de um dos fundadores da neurociência no Brasil, o professor César Timo-Iaria, e neto científico de um prêmio Nobel argentino - Bernardo Alberto Houssay. Por isso, foi uma triste surpresa os anticorpos que senti quando eu voltei. Algumas pessoas ficaram ofendidas porque não fiz o beija-mão pedindo permissão para fazer ciência na periferia de Natal. Este ano, na avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E o nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões. Recebemos R$ 1,5 milhão. Operamos com um sexto do nosso orçamento. As pessoas têm medo de abrir a boca, porque você é engolido pelos pares. Então, eu fico imaginando um pesquisador que volta para o Brasil depois de estudar lá fora. De qualquer forma, o pessoal precisa entender que voltar para o Brasil é assumir um tipo especial de compromisso. Não é ir para Harvard, Yale... Você deve estar disposto a dar seu quinhão para o País porque ele ainda está em construção. Nem tudo vai funcionar como a gente quer. Vejo muita gente egoísta voltando para o Brasil. Os jovens precisam olhar menos para o umbigo e mais para a sociedade.
Qual é o futuro dos jovens pesquisadores no País?
Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda de conseguir dinheiro porque não são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da academia para conseguir dinheiro e sobressair. Com um físico da UFPE, cheguei à conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque ele não preenche todos os pré-requisitos - número de orientandos de mestrado, de doutorado... Se Einstein não poderia estar no topo, há algo errado. Minha esperança é que o futuro ministro ataque isso de frente pois, até agora, ninguém teve coragem de bater de frente com o establishment da ciência brasileira. Ninguém teve coragem de chegar lá e dizer: "Chega! Não é assim! A ciência não está devolvendo ao povo brasileiro o investimento do povo na ciência." Os cientistas brilhantes jovens não têm acesso às benesses que os grandes cardeais - pesquisadores A1 do CNPq - têm, muitos deles sem ter feito muita coisa que valha. Além disso, veja a situação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT, que assessora o presidente da República nas decisões relacionadas à política científica). O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) - agora, um grande matemático - me perdoe, mas ele não deveria ter cadeira cativa nesse conselho. O Brasil deveria ter um conselho de gente que está fazendo ciência mundo afora. E não pessoas que ocupam cargos burocráticos em associações de classe. Deveria ser gente com impacto no mundo. E pessoas jovens com a cabeça aberta. Mas as pessoas têm muita dificuldade de quebrar esses rituais. Para entender a que me refiro, basta participar de reuniões científicas e acompanhar a composição de uma mesa. Não há nada semelhante em lugar nenhum do mundo: perder três minutos anunciando autoridades e nomeando quem está na mesa. É coisa de cartório português da Idade Média. Cientista é um cidadão comum. Ele não tem de fazer toda essa firula para apresentar o que está fazendo. É um desperdício de energia, uma pompa completamente desnecessária. Muitas vezes, os pesquisadores jovens não podem abrir a boca diante dos cientistas mais velhos. Eu ouço isso em todo o Brasil. No meu departamento nos Estados Unidos, sou professor titular há quase doze anos. Minha voz não vale mais que a de qualquer outro que acabou de chegar. Qualquer um pode me interpelar a qualquer momento. Qualquer um pode reclamar de qualquer coisa. Qualquer um pode fazer qualquer pergunta. E ninguém me chama de professor Nicolelis. Meu nome lá é Miguel. Por quê? Porque o cientista é algo comum na sociedade. O meu estado (a Carolina do Norte) possui uma das maiores densidades de PhD na população dos EUA. Se você se comportar como um pavão lá, vai se dar mal. Todo mundo tem pelo menos um PhD. Aqui, precisamos colocar a molecada da periferia de Natal, de Rio Branco e de Macapá na ABC, por mérito. Às vezes, parece que existe uma igreja chamada Ciência no País. Se você não é um membro certificado, ela é impenetrável. Minhas críticas não são pessoais. Quero que o Brasil seja uma potência científica para o bem da humanidade. As pessoas precisam ver que a juventude científica brasileira está de mãos atadas. Precisamos libertar este povo. Já estou no terço final da minha carreira científica. O que me resta é ajudar essa molecada a fazer o melhor.


Leia na íntegra a entrevista concedida a Alexandre Gonçalves em http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,integracao-entre-cerebro-e-maquinas-vai-influenciar-evolucao,663729,0.htm