A imperfeição da leitura: entrevista de Fabrício Carpinejar

Unhas pintadas, óculos de lentes coloridas, camisetas de cores habitualmente berrantes. Falante e de humor largo, o poeta Fabrício Carpinejar tem uma figura que costuma gerar estranhamento por onde passa. O gaúcho de Caxias do Sul tem no "jeitão" uma forma de provocar o diálogo com o leitor e, assim, aproximá-lo de sua poesia, mantendo uma relação mais despreocupada com o gênero. "Para ler poesia, não é preciso estar de férias", diz.

Carpinejar tem oito livros, como Cinco Marias (2004) e Meu Filho, Minha Filha (2007). Blogueiro, professor e colunista do jornal Zero Hora, Carpinejar acaba de lançar seu 16º livro, Borralheiro (Bertrand Brasil). Na coletânea de crônicas, aborda a atual condição do comportamento masculino. A crônica é um gênero ao qual Carpinejar tem se dedicado. Canalha!, por exemplo, recebeu o prêmio Jabuti de 2009 e Mulher Perdigueira (2010), o Açorianos de Literatura, oferecido pela Secretaria de Cultura de Porto Alegre. Além de poemas e crônicas, sua produção comporta aforismos, que publica diariamente em seu Twitter, com mais de 106 mil seguidores. Esses aforismos também já viraram livro, batizado com seu endereço on-line: www.twitter.com/carpinejar (2009).

A literatura vem perdendo seu papel na cultura?
Não, pelo contrário. Até porque a literatura está mais presente no cinema e na TV. Não perdemos espaço, somamos espaço. Hoje, poetas e escritores são mais "mediadores". Nunca houve tantos seminários, feiras e bienais do livro... As próprias redes sociais despertam interesse por literatura. Só pelos links que recebe, a pessoa já lê mais. Atualmente, há mais facilidade para trocar afinidades. Se tu gostas de um artista, é mais fácil compartilhar esse gosto. As redes têm aprofundado o conhecimento. As pessoas são mais espelhadas, hoje, no texto. O jovem está mais interessado em ler.

Como aproximar a poesia do leitor contemporâneo?
Com uma revolução inversa. A publicidade, por exemplo, passou a usar poesia. A poesia tem de invadir o espaço da publicidade. E desafiar as aparências. Ela faz a gente não se ajudar. Faz nadar melhor no desespero. É o avesso da autoajuda, que quer consolar sem fazer pensar muito. A poesia faz mergulhar na dúvida. E encontrar o riso no choro. É a única maneira de sair do choro, aliás. As pessoas acreditam precisar de tempo para ler. Mas se tu separas livro para ler nas férias ou para quando ficares doente, é para não ler. Leitura é feita assim: de maneira cortada, aos saltos, imperfeita como a vida. Procuramos a leitura perfeita, por isso ela não acontece. Não tem de estar de férias para ler poesia. Aceite que não precisa ler o livro até o fim, se não gostar dele! Livro não é estudo: é empatia, afinidade. Podes não gostar dele num momento e, em outro, gostar.

[...]
Por que o Twitter é ferramenta de poeta?
Pela densidade e por desfazer aparências. É a arte do desaforo. Twitter é tremor; é o quanto tu podes fazer o outro tremer. É o aparentemente fácil que complica. Uma frase de duas mãos: enquanto tu vais, estás voltando. Twitter não é para cantar, é para desafinar.

Saramago disse que o Twitter representa a "tendência ao monossílabo" e, de degrau em degrau, desceríamos "ao grunhido"...

Ah, não... De degrau em degrau, vamos é subir até o gemido. [risos].

Leia a íntegra da entrevista concedida a Lucas Colombo para a Revista Língua Portuguesa em http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12348.
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