
Por conta da aposta no “ensino”, proliferou entre nós a “apostila”, um compêndio que vem pronto e onde estaria “o conhecimento” (conteúdos) a ser transmitido. Os alunos comparecem à escola/universidade para assimilar tais conteúdos transmitidos através de aulas sem fim. Aduz-se como justificativa frequentemente que conteúdos como os das ciências naturais e exatas não precisam ser “reinventados”, mas assimilados. Não haveria sentido em “pesquisar” física ou matemática; seria como reinventar a roda. Cabe dominar tais conteúdos, repassados pelo professor e que usa, em geral, uma apostila “obrigatória”. À primeira vista, parece congruente: o aluno não precisa reinventar o direito constitucional; precisa dominar tais conteúdos, repassados pela via da instrução sistemática. Em grande parte, aprender é memorizar, algo ostensivamente exacerbado nos “cursinhos”: nesses os professores repassam os conteúdos estabilizados e que provavelmente serão exigidos nas provas (vestibulares). Aos alunos não ocorre frequentar um “cursinho” para pesquisar, nem o professor se põe o desafio de que, para dar aula, precisaria, antes, pesquisar. Não é autor, nem pretende que seus alunos se tornem autores.
Esta cartilha do ensino representa, porém, um dos traços mais empedernidos de nosso atraso histórico na escola e na universidade, não só porque contradita práticas e teorias bem argumentadas e testadas de aprendizagem, mas sobretudo porque nos mantém como sucursais (meros consumidores) de países produtores de conhecimento próprio (enquanto o Primeiro Mundo pesquisa, o Terceiro dá aula!). O professor, na prática, é uma espécie de “tradutor”, porta-voz, transmissor de conteúdos que jamais imaginaria poder reconstruir, muito menos os alunos. Se não é preciso reinventar o teorema de Pitágoras, importa, contudo, aprender de maneira reconstrutiva, transformando-o num desafio de pesquisa, assim como foi uma vez para Pitágoras (Lesh et alii, 2007). Parece pretensão estúpida “dar uma de Pitágoras”, mas é fundamental não ser apenas seu porta-voz ou papagaio. Na prática, é o mesmo desafio do país que pretende tornar-se fabricante de aviões. Não precisa inventar a roda, mas terá que “reconstruir” o caminho já feito por outros fabricantes e buscar criar um nicho de criatividade capaz de competir com os outros. Saber manejar conhecimento crítico e criativo é o que mais importa, como bem sugere Amsden (2009), ao estudar as chances do “resto” (países emergentes): para ocorrer desenvolvimento é imprescindível encontrar maneiras de criar conhecimento próprio, mesmo começando do começo; não se despreza conhecimento existente, mas este só faz sentido se puder ser reconstruído com alguma originalidade e propriedade.
Neste texto busco questionar a prática recorrente de fazer da escola/universidade um lugar de transmissão/assimilação de conteúdos, porque, como dizia Toffler, isto não só não forma os alunos, como sobretudo os prepara para o passado. Nosso sistema de ensino, na prática, evita que nos tornemos uma sociedade/economia intensiva de conhecimento (Duderstadt, 2003), ao preconizar que seja intensiva de aula e ensino. Ao manter a ideia obsoleta de que aprendizagem é função do ensino (aula), inverte-se a equação: ensino é função da aprendizagem; só faz sentido, se garantir que o aluno aprenda. O próprio sistema vigente é a imagem dolorida da má aprendizagem (IPEA, 2009. Demo, 2004). Próceres do instrucionismo tiveram oito anos de atuação veemente no governo FHC, mantendo-se o mesmo ministro, bem como a queda do aproveitamento escolar, segundo os dados do Saeb (produzidos no próprio Ministério). Mesmo assim, o ministro publicou seu legado sob o título de “Revolução gerenciada” (Sousa, 2004), uma peça de inacreditável empáfia vazia.
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