Entrevista de Antônio Nóvoa à Norte@mentos

As questões aqui respondidas pelo Prof. Antônio Nóvoa são fruto de um exercício coletivo, produzido pelas participantes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística Aplicada (GEPLIA) da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Campus Sinop.

GEPLIA: Em seu livro “O regresso dos professores” (2007), o senhor afirma que estaríamos vivendo “uma espécie de consenso discursivo” no que diz respeito aos problemas e necessidades acerca da formação docente. O consenso ainda está apenas no discurso ou também aparece nas ações?
Nóvoa: Infelizmente, o consenso é bem mais evidente nos discursos do que nas práticas. Vivemos um tempo de muita inovação nas palavras e de pouca mudança na realidade concreta dos professores e da formação docente. Vivemos um tempo em que é necessário, mais do que nunca, avançar para novas experiências de formação, no terreno da escola e da ação pedagógica.  

GEPLIA: O senhor acredita que a formação continuada possa ser apenas mais um modismo? O que o faz pensar assim?
Nóvoa: Na verdade, assim tem acontecido. O movimento da formação contínua nasceu, historicamente, no final da década de sessenta, em conjunto com uma reflexão sobre a educação permanente e a “desescolarização da sociedade”. A inspiração principal era a criação de modelos não formais, não escolarizados de formação. O que aconteceu foi a transformação deste movimento numa lógica de cursos e mais cursos, muitas vezes numa perspectiva de “consumo” e de “mercado”, sem uma verdadeira presença e participação dos professores e, sobretudo, sem a valorização da sua experiência pessoal e profissional.

GEPLIA: Será o professor um sujeito que se apropria minimamente do saber e da profissão por uma questão de fraqueza de discurso e de identidade criadas pelas situações sociais, culturais e históricas vivenciadas ao longo de sua vida?
Nóvoa: É um processo difícil de explicar. Durante muito tempo, os professores eram mestres do seu ofício e, num certo sentido, controlavam a sua própria profissão. Mas detinham um estatuto social e profissional muito baixo. Com a expansão e a progressiva complexidade dos sistemas de ensino, a partir de meados do século XX, foi necessário recorrer a um conjunto de especialistas (do currículo, do planejamento, dos manuais escolares, da didática, da administração, da avaliação, da formação, das tecnologias etc.) que passaram a exercer certa tutela sobre os professores. Esta divisão tem sido perniciosa para o desenvolvimento da profissão docente.

GEPLIA: Sabemos dos dilemas enfrentados diariamente pelos Professores e que não são poucos, mas também, percebemos um número expressivo de professores que ainda pensa em brilhos pessoais, e não podemos esquecer que tivemos esta formação individualista. Como reverter esta situação?
Nóvoa: A profissão docente tem mantido uma matriz individualista muito forte. Contrariamente a outras profissões que evoluíram num sentido mais coletivo – médicos, engenheiros, arquitetos, advogados etc. – os professores ainda não encontraram todos os caminhos da cooperação e da colaboração. Certamente que tal se deve, e muito, à organização das escolas e, sobretudo, à organização dos horários dos professores. Mas estou convencido de que este passo, no sentido de uma profissão mais cooperativa e colaborativa, é decisivo para o nosso futuro.

GEPLIA: Em que o professor em pré-serviço deve fundamentar sua formação inicial para que consiga formar-se e fortalecer-se enquanto docente?
Nóvoa: Respondo-lhe com três termos: conhecer, relacionar, organizar. Capacidade de conhecimento das matérias e das pessoas – sem conhecimento não há ensino nem aprendizagem. Capacidade de relação com os outros – a pedagogia é sempre um espaço de relação e esse espaço deve alargar-se, também, ao trabalho conjunto com os outros professores. Capacidade de organização do trabalho escolar – o ensino, hoje, exige a definição de prioridades e um sentido apurado do que é e de como deve ser organizado o trabalho escolar.

GEPLIA: Em alguns dos seus textos o senhor relata uma dicotomia entre pacotes de Formação Padronizados e a Formação proposta e desenvolvida pelas próprias instituições escolares. Qual a diferença fundamental entre estes dois modelos e qual mais se adequa a realidade educacional de nosso Estado?
Nóvoa: Como respondi anteriormente, temos de evoluir no sentido de uma formação desenvolvida pelas próprias instituições escolares, obviamente em colaboração com outras entidades, como universidades e centros de pesquisa. Mas a formação de professores e, em particular a formação continuada, deve ter lugar na escola.

GEPLIA: Percebemos que muitos de nós, profissionais da educação, temos como hábito a renovação pedagógica no fazer, seja através da formação continuada ou mesmo na busca individual. Mesmo assim, não nos vemos como professores pesquisadores. Em sua opinião, por que isso acontece? Por que nós professores da educação básica não nos encorajamos a falar e escrever sobre essas construções? Será uma imagem construída na sociedade sobre nossa profissão?
Nóvoa: Tem toda a razão. Num certo sentido, os professores cederam essa dimensão de pesquisa aos universitários e aos especialistas. É um erro. É preciso reunir as capacidades de “ação” e de “reflexão” nos professores. Claro que isso obriga a mudanças de fundo, necessariamente lentas, no estatuto dos professores, na organização do seu tempo etc. Mas se essas mudanças tiveram lugar em vários países, nomeadamente na Europa, não há qualquer razão para que não aconteçam também no Brasil.


(Antônio Nóvoa é professor catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, e nela atua, atualmente, como reitor. Tem o seu interesse como pesquisador especialmente voltado para questões que abrangem a qualificação profissional e o aprender contínuo de professores como motores para a melhoria do ensino. Escreveu artigos e organizou vários livros: Os professores e a sua formação (1992), Formação de professores e trabalho pedagógico (2002), Novas disposições dos professores - A escola como lugar da formação (2004), Os professores e o novo espaço público da educação (2006), O regresso dos professores (2007), Professores: imagens do futuro presente (2009), para citar apenas alguns.)

Leia a íntegra da entrevista concedida à Profa. Leandra Ines Seganfredo Santos et al. em http://sinop.unemat.br/projetos/revistas_eletronicas/index.php/norteamentos/article/view/1048/715
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