Agora, o posicionamento da ALAB: "Polêmica em relação a erros gramaticais em livro didático de Língua Portuguesa revela incompreensão da imprensa e população sobre a atuação do estudioso da linguagem"

Associação de Linguística Aplicada do Brasil

A divulgação da lista de obras aprovadas pelo Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) para o ensino da língua portuguesa na Educação de Jovens e Adultos (EJA) provocou verdadeiro celeuma na imprensa e comunidade acadêmica sobre a aprovação de obras com “erros” de língua portuguesa.

Frases como “Nós pega o peixe”, “os menino pega o peixe”, “Mas eu posso falar os livro” e outras que transgridem a norma culta, publicadas no livro Por uma Vida Melhor, aprovado pelo PNLD e distribuído em escolas da rede pública pelo MEC, causaram a indignação de jornalistas, professores de língua portuguesa e membros da Academia Brasileira de Letras.

O grande incômodo, relacionado ao fato do livro relativizar o uso da norma culta, substituindo a concepção de “certo e errado” por “adequado e inadequado”, retrata a incompreensão da imprensa e população em relação ao escopo de atuação de pesquisadores que se ocupam em compreender e analisar os usos situados da linguagem.

A polêmica em torno deste relativismo, assim como a interpretação deturpada de pesquisas na área da linguagem, não é nova. Em novembro de 2001, na reportagem de capa da Revista Veja, intitulada “Falar e escrever bem, eis a questão”, Pasquale Cipro Neto dirigiu-se ofensivamente a pesquisadores da área de linguagem que defendem a integração de outras variedades no ensino de língua portuguesa como uma corrente relativista e esquerdistas de meia pataca, idealizadores de “tudo o que é popular – inclusive a ignorância, como se ela fosse atributo, e não problema, do "povo" (Fonte, Veja Online, consultada em 20.05.2011).

Mais de uma década após a publicação dos PCN e da instituição do PNLD de Língua Portuguesa, ambos frutos das pesquisas destes estudiosos relativistas, a imprensa e população continua a interpretar de forma deturpada a proposta de ensino defendida nas diretrizes curriculares e transpostas didaticamente nas coleções aprovadas no PNLD.

Tal deturpação ressalta um problema sério de leitura, muito provavelmente decorrente da prática cristalizada historicamente de se ensinar a gramática pela gramática, de forma abstrata e não situada. Pois, ao situar e inscrever as frases incorretas responsáveis por tanto desconforto no contexto concreto em que foram enunciadas, fica clara a intenção da autora de mostrar que precisamos adequar a linguagem ao contexto e optar pela variante mais adequada à situação de comunicação, preceito básico para participação nas diversas práticas letradas em que nos engajamos no mundo social.

Assim, ao contrário de contribuir para uma agenda partidária de manutenção da ignorância, acusação levianamente imputada ao livro e ao PNLD (e, portanto, aos estudiosos da linguagem), os “erros” em questão, se interpretados contextualizadamente e explorados de forma interessante em sala de aula, contribuem para o desenvolvimento da consciência linguística, mostrando que apesar de todas as variantes serem aceitáveis, o domínio da norma culta é fundamental para efetiva participação nas diversas atividades sociais de mais prestígio.

Se, portanto, situarmos a linguagem, não há razão para polêmica ou desconforto e a crítica daqueles preocupados em garantir o ensino da norma culta torna-se absolutamente nula, sem sentido. O niilismo desta crítica está claramente estampado no enunciado de Pasquale, citado naquela reportagem de uma década: "Ninguém defende que o sujeito comece a usar o português castiço para discutir futebol com os amigos no bar", irrita-se Pasquale. "Falar bem significa ser poliglota dentro da própria língua. Saber utilizar o registro apropriado em qualquer situação. É preciso dar a todos a chance de conhecer a norma culta, pois é ela que vai contar nas situações decisivas, como uma entrevista para um novo trabalho". (Fonte, Veja Online, consultada em 20.05.2011)

A relativização veementemente criticada parece, por fim, ter sido tomada como verdade no interior do mesmo enunciado.

Dez anos depois vemos em livros didáticos a possibilidade de formar poliglotas na língua materna. Isso é, sem dúvida, um progresso. Resta ainda melhorar as leituras da população sobre os estudos situados da linguagem.

Neste sentido, a Associação de Linguística Aplicada do Brasil, expressa seu repudio a atitude autoritária e uníssona de vários veículos da imprensa em relação à concepção deturpada de “erro” e convida seus membros a se posicionarem nestes veículos de forma mais efetiva e veemente sobre questões relacionadas a ensino de línguas e políticas linguísticas, construindo leituras mais situadas, persuasivas e plurilíngues.

Indicamos abaixo o link para a notícia citada de 2001, assim como outros artigos e vídeos com o posicionamento de estudiosos da linguagem acerca da polêmica com os livros didáticos de LM.

Reportagem capa de Veja, novembro de 2001.
Nota da Ação Educativa
Artigo do Prof. Marcos Bagno, UNB
Artigo do Prof. Sírio Possenti, Unicamp
Comentários
5 Comentários

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Ótima iniciativa! Já estava mais do que na hora de a ALAB se pronunciar, pois o que tem sido divulgado a respeito da língua é estarrecedor. Estão comentendo uma verdadeira injustiça contra o livro didático em questão.

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  3. Concordo plenamente com você, Tânia.
    Por outro lado, mesmo que por caminhos tortos, entendo que esta discussão está servindo para colocar a questão no seio da sociedade.
    Se não a fazemos (ou não sabemos fazê-la), a mídia a faz, ainda que espetacularmente.
    Sintomaticamente, a GloboNews fez um debate ontem sobre o assunto ontem e nenhum linguista foi convidado. Veja em http://g1.globo.com/videos/globo-news/globo-news-painel/v/painel-discute-a-publicacao-do-mec/1515676/.

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  4. Olá professor

    Não sou professora formada em Língua Portuguesa, mas atuo na Educação de Jovens e Adultos. Foram as particularidades e dificuldades relacionadas ao trabalho com as leituras e escritas dos alunos desta modalidade que fizeram com que eu me interassasse pelo tema. É doloroso perceber o quanto a noção do "erro" os paralisa e os impede de manifestarem-se, oralmente e também na forma escrita.
    É para estes alunos que se destina o material didático(livro e cd) apresentado na coleção citada. Os conteúdos são contextualizados, vão além de "os livro" e outras questões gramaticais, são interdisciplinares e abordam temas de interesse de jovens e adultos. Além disso, leva a reflexão sobre a Língua à escola básica e às classes populares.
    É a primeira vez que material específico para a EJA chega a minha escola - e acredito que para muitas outras.
    São muitas vantagens para uma suposta deficiência ou inadequação gramatical.

    Parece-me que as leituras do livro e da questão foram superficiais e focadas apenas naquilo que seria interessante para gerar polêmica... e audiência.

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  5. Conceição, tenho dito que identifico um dos nós desta questão lá atrás, na década de 70, quando, felizmente, deu-se início à ampliação do acesso à educação escolar. Mas, até hoje, a educação formal brasileira, em todos os seus níveis, não aprendeu a lidar com esta "coisa estranha" para ela que é o povo na escola.

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